Rastreamento de Doenças: Se bem não faz… será que faz mal?

Rastreamento de Doenças: Se bem não faz… será que faz mal?

“Todos os programas de rastreamento causam danos, alguns causam também benefícios” (Muir Gray)

Conforme discutido no texto sobre medicina preventiva, os avanços da tecnologia permitiram que a medicina adotasse uma postura mais proativa, passando a trabalhar com a identificação precoce de doenças, conhecida como prevenção secundária. Em geral, esse nível de prevenção é baseado em rastreamentos, testes realizados para investigar pessoas assintomáticas e detectar doenças precocemente. Isso possibilita a realização de tratamentos ainda em estágios iniciais das doenças.

Vamos reforçar o conceito de rastreamento: aplicação de testes ou procedimentos diagnósticos em pessoas assintomáticas com o objetivo de selecionar aquelas com a condição a ser rastreada e que possam se beneficiar de intervenção antecipada. Essa definição é bastante importante, principalmente no que diz respeito ao público alvo, ou seja, na seleção daqueles paciente que de fato são favorecidos, considerando a relação entre malefícios e benefícios que a cadeia de eventos que segue o rastreamento pode ocasionar. É importante salientar que pacientes sintomáticos não são o foco da discussão que se segue.

De acordo com as principais referências em medicina ambulatorial, os critérios que justificam a realização de um determinado exame de rastreamento para uma doença são os seguintes:

● A doença deve ser prevalente e clinicamente relevante, ou seja, deve ser relativamente frequente na população e valer a pena ser rastreada devido ao seu impacto no paciente.

● O teste de rastreamento deve ter sensibilidade suficiente para detectar a doença na fase pré-clínica e especificidade suficiente para haver poucos falsos positivos. Embora esses conceitos sejam bem conhecidos pelos profissionais da saúde, para quem é de fora, vale ressaltar que testes e exames apresentam uma taxa de erro que deve ser considerada. Os melhores rastreamentos permitem detectar a maioria dos pacientes com a alteração em questão, com poucos resultados positivos em pessoas que, na realidade, não estão doentes.

● A doença deve ter um período assintomático que possibilite a detecção precoce.

● Deve haver um tratamento disponível e efetivo para a doença, com redução da mortalidade e sem ser pior do que a própria doença. Afinal, não faz sentido rastrear uma doença para a qual não há tratamento, assim como não faria sentido realizar uma intervenção que causasse mais danos ao paciente do que a própria doença.

● O custo do rastreamento deve ser aceitável tanto financeiramente quanto física e socialmente. Além de ter um peso financeiro, os rastreamentos podem levar a intervenções mais agressivas e realização de exames invasivos. Eles também podem trazer preocupações e danos à saúde mental do paciente.

Mas não basta saber quando rastrear, devemos nos questionar: por que não rastrear? Existem diversos pontos potencialmente danosos a serem considerados no processo de rastreamento. É importante considerar o risco intrínseco ao procedimento diagnóstico. Afinal, qualquer procedimento médico envolve certos riscos, sendo preciso estar ciente deles antes de tomar uma decisão.

Outro fator a ser considerado é o risco de falso-positivo. Isso pode levar a um diagnóstico equivocado, o que, por sua vez, pode gerar a solicitação de exames subsequentes mais invasivos e potencialmente danosos. Além disso, é preciso estar atento ao diagnóstico excessivo de “pseudo-doenças”, pois o rastreamento pode levar a um aumento no número de diagnósticos, mas é preciso ter cuidado para não rotular um paciente com uma doença que ele não tem ou não traria nenhum impacto na vida do paciente.

Por fim, também é importante estar ciente dos falsos negativos. Se um paciente apresentar um resultado negativo no rastreamento, mas ainda assim tiver uma doença, o diagnóstico pode ser atrasado, podendo ocasionar consequências graves na saúde do paciente.

São inúmeros danos potenciais ao rastrear, entretanto, isso não anula os benefícios que tal prática pode trazer, desde que indicada corretamente. O rastreamento baseado em evidências é uma prática essencial para garantir que o processo seja de fato vantajoso para o paciente, sempre considerando os potenciais danos e benefícios que os testes podem trazer. Portanto, é fundamental acabar com a lógica do “se bem não faz, mal não deve fazer” e adotar práticas baseadas em evidências.

O objetivo deste texto não é listar as principais recomendações de rastreamento, mas sim alertar pacientes e profissionais de saúde sobre as consequências que um simples exame solicitado pode ter, bem como sobre os malefícios da realização dos “check-ups” com listas enormes de testes que vão desde hormônios e diversos elementos aleatórios da tabela periódica até exames de imagem variados sem indicação.

É essencial que as recomendações de rastreamento sejam avaliadas cuidadosamente por um bom médico e discutidas com o paciente, levando em consideração a relação custo-benefício de cada exame e seus possíveis efeitos colaterais.

Este é um tema bastante amplo e poderia ser aprofundado ainda mais, discutindo possíveis vieses de rastreamentos, a percepção do paciente sobre saúde e as pressões mercadológicas referentes a solicitações de exames e tratamentos em excesso. Mas o propósito deste artigo é introdutório e visa provocar o leitor a refletir sobre o tema e despertar no mínimo um questionamento antes da solicitação ou realização de um teste ou exame, afinal, se bem não faz, provavelmente mal deve fazer.

Leonardo Teixeira Limberger

Médico (CRM-RS 53.302)

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